sábado, 11 de dezembro de 2010

A estrutura Económico-Social e Política


Em meados do século XI, mais de metade de Portugal territorial era ainda muçulmano, ocupando uma área de 53 500 km2. Gradualmente a ofensiva cristã foi minimizando esse espaço: um século passado, quando o Tejo ao estabelecer-se como fronteira, restavam ainda aos Mouros uns 37 300 km2.
No ano de 1230, o território pertencente ao Islão ficou reduzido a 15 300 km2. Por último, o que ficou aos Muçulmanos entre 1238 e a conquista final de 1249 eram somente 2500 Km2.
A importância demográfica e prosperidade económica do Al-Gharb não se devem a uma distribuição populacional equilibrada, mas sim à existência de algumas grandes cidades e aldeias, desconhecidas do Norte.
Não só aí residiam os abastados proprietários de campos de cultivo, como também os trabalhadores que os tornavam produtivos. Há também registos de mercadores, artífices, marinheiros e pescadores. O Sul mostrava-se urbano em carácter, embora o seu reduzido povoamento humano fosse exigido nessas cidades.
O povoamento variava de região para região e a Norte de Al-usbuna, o país mostrava-se bem cultivado e povoado.
A vida económica baseava-se evidentemente na agricultura. O Sul produzia cereais em abundância, sobretudo trigo, sendo famosa a região entre Al-usbuna e Santarin pela sua alta produtividade, considerada como um verdadeiro celeiro. A fruta e o azeite seguiam-se, detendo também o primeiro lugar.
Extensos campos de olivais cobriam o país, por vezes misturados com trigo. O actual Algarve era já um dos grandes produtores de figo e amêndoa, objecto de larga exportação. Em redor da cada cidade, pomares acompanhados de férteis hortas alimentavam a população local, permitindo também algumas exportações. É de referir também a difusão de uma variedade botânica de trigo (trigo mourisco), arroz, laranja e o açafrão.
Foram vários os legados Muçulmanos relativamente às técnicas e melhoramentos agrícolas estando na base das infra-estruturas rurais de certas áreas do sul. Entre eles destacam-se aperfeiçoamentos de dois engenhos relevantes, a naura (nora) e a sanzya (azenha).
Na economia, parte importante era desempenhada pelo peixe e pelo sal. Assim toda a costa marítima do Gharb era solarenga e propícia às actividades piscatórias. Também ao longo dos estuários dos rios Tejo e Sado eram frequentes as salinas. Pouco se sabe da criação de gado, mas produzia-se bastante leite, manteiga e queijo, provavelmente de ovelha e de cabra. A abundância de bolota convidaria à criação de porcos apenas entre os camponeses cristãos, já que a religião Islâmica se mostrava contrária à existência de tais animais. Pesca, sal e localização geográfica foram fundamentais para o surto de navegação e de comércio marítimo. Escasseiam também as fontes sobre comunicações do comércio. A rede vial romana foi provavelmente mantida e reparada, se não alargada. Planícies e alguns rios (embora a navegabilidade fosse limitada pelas condições do solo e do clima) permitiam contactos e transportes mais fáceis do que no Norte. A circulação da moeda em ouro, prata e cobre era abundante. A tradição transmitida a tempos posteriores sugere um elevado número de mão-de-obra especializada, de acordo com necessidades domésticas e quotidianas, tais como alfaiates, carpinteiros, sapateiros, oleiros, pedreiros, celeiros e outros semelhantes. Alguns estavam organizados em corporações rudimentares e estabelecidos em ruas ou zonas bem determinadas. Fabricava-se possivelmente papel, mas é provável que houvesse sobretudo importações do oriente de Al-Andalus.
A estrutura social de al-Garb al-Andalus nos séculos XII e XIII não se mostrava muito diferente da do norte cristão. Uma classe de proprietários rurais detinha a maior parte do solo e controlava a maior parte do poder.
Contrariamente aos portugueses da região norte, esses latifundiários habitavam geralmente nas cidades ou em grandes aldeias, onde recebiam as rendas das suas herdades que visitavam por curtos períodos.
O tipo de propriedade correspondente no sul à villa chamava-se dai'a, donde o português tirou a palavra aldeia. O processo de conversão de uma dai'a em freguesia, em tempos posteriores, foi semelhante àquele que transformou a villa em freguesia também. O seu núcleo, onde se localizava a casa senhorial, rodeada pelas habitações dos clientes e por outras dependências, tornou-se, em tempos cristãos, a aldeia propriamente dita, isto é, uma «aldeia», no moderno sentido da palavra. Em cada ‘dai'a a exploração rural pertencia a camponeses livres (muzãri) que estavam ligados ao proprietário pelo pagamento de uma renda, a qual podia ascender a metade da produção. Por sua vez, o proprietário devia ao Estado (no Islão, não separado da Igreja) uma dízima, relacionada com a obrigação religiosa do pagamento do zakãt (esmola). Em teoria, todas as terras pertenciam ao Estado que, no tempo da conquista, as concedera perpetuamente a um guerreiro e a seus herdeiros.
Umas quantas herdades, ou antes, certos pequenos minifúndios, foram deixados nas mãos de agricultores cristãos. Tinham de pagar um tributo chamado harã, muito superior à dizima. Mais tarde, quando boa parte dos Cristãos se foi convertendo ao islamismo e passando a muwalladun (daí a palavra portuguesa malados), essa contribuição não foi reduzida. Ficaram assim os malados em situação fiscal pior que a dos velhos muçulmanos, o que acarretou perturbações sociais e divisões nítidas entre os dois tipos de crentes, À medida que a autoridade central se ia tornando mais fraca, a área das diya aumentava e as terras de haraj diminuíam, visto que muitos pequenos proprietários preferiam alienar o seu direito à propriedade plena e encomendar-se antes à protecção e autoridade de ricos proprietários de diya, o que lhes reduzia o peso dos impostos e lhes aumentava a segurança.
Teoricamente, não existia, no Islão, igreja separada. Para fins práticos, porém, o Estado consignava às mesquitas as rendas de grande percentagem de propriedade, tanto rural quanto urbana, assim como a sua administração real.
Nestes termos, podiam considerar-se as mesquitas como grandes proprietários também.
Apesar de todas as cedências, o Estado manteve-se extremamente rico e poderoso nos países muçulmanos. Através do califa e de seus representantes, possuía terras cultivadas, propriedade urbana, meios de produção (tais como moinhos, fornos e lagares) e a maior parte dos baldios. Este papel do Estado não pode ser subestimado, se quisermos compreender as condições do poder real quando os monarcas cristãos se apoderaram de tudo aquilo que pertencia ao estado muçulmano. O desmembramento do califado, pela segunda vez em cem anos, e o consequente surto de unidades locais de administração política implicaram tendências autónomas e governos hereditários regulares. Em muitos casos, os impérios Almorávida e Almohada mantiveram e até reforçaram a hereditariedade como meio poderoso de impedir a anarquia e de resistir a ataques externos. Grandes senhores locais receberam o governo das áreas onde residiam e conseguiram mantê-lo dentro da sua família por mais de uma geração. Se não se desenvolveram pequenas dinastias locais, foi apenas por falta de tempo. Em Santarin e al-Qasr, por exemplo, as tendências militares passavam de geração em geração até à conquista cristã. São impressionantes as genealogias muçulmanas, pois deparamo-nos com os parentescos entre os diversos funcionários superiores locais no Al-Gharb al-Andalus. Uma pequena oligarquia detinha aparentemente o poder, limitando-se a trocar entre si os principais cargos.
O extremo sul constituía outra kura com capital em Shilb. Como todas estas cidades, e muitas outras, tinham governadores militares com o mesmo nome (alqa'id, em português alcaide), torna-se difícil determinar a hierarquia relativa de umas para com as outras.
Abaixo da kura, havia ainda a pequena unidade rural chamada qarya (plural quran) assim como a cidade (qasaba ou madina). Estas palavras deram, em português, (al)caria, (al)cáçova e (al)medina.
Para fins judiciários, existia coincidência aproximada entre as suas unidades e as Kuwar. Cada cidade e muitas aldeias grandes tinham o seu qãdÍ (de onde vem alcalde) ou juiz próprio. Nas comunidades mais pequenas, este funcionário era substituído por um hãkim (alfaqui em português). Outro funcionário importante, que praticamente controlava a vida económica de cada cidade, era o muhtasib (em português, almotacé), que tabelava os preços, aferia os pesos e medidas, estabelecia a importância das multas, servia como árbitro em disputas económicas, superintendente da cidade em mantimentos e em água, etc. Em teoria, todos estes funcionários eram nomeados, mas a prática comum tornou-os ou hereditários ou escolhidos entre um pequeno grupo de notáveis locais.
São escassas as noções quanto ao avanço cultural de al-Garb Cultura al-Andalus durante os séculos xii e xiii. Podemos conhecer alguns poetas e escritores que aí nasceram, mas ignoramos as condições gerais e os meios de toda a actividade cultural. Cultivava-se a poesia e diz-nos al-Qazwini (falecido em 1283) que, em Shilb, até os cavadores se mostravam capazes de improvisar estrofes. Baladas líricas e canções conhecidas por muwâsah e zajal foram por ventura introduzidas do centro e do oriente do Al-Andalus onde estavam em voga a partir do século XI. A rápida propagação do sufismo e o turbilhão religioso dos meados do século XII poderiam explicar-se simplesmente por razões sociais e económicas. Todavia, não deixam de sugerir certa cultura religiosa e filosófica de raiz urbana. Existiriam por certo escolas, embora nada saibamos, por exemplo, do número e da localização de madrasahs («universidades» ou escolas secundárias muçulmanas). Seja como for, toda essa cultura era árabe, dependendo da fé islâmica. A «Reconquista» destruiu-a completamente, matando ou reduzindo ao exílio a maioria dos seus representantes. O alfabeto árabe, contudo, difundira-se até entre os Moçárabes, utilizado para escrever os seus dialectos latinos.


Fonte - Prof. Doutor A. H. de Oliveira Marques
História de Portugal Volume 1 (Das origens ás revoluções liberais)

Sem comentários:

Enviar um comentário